Ana Carolina Cartágenes Pinto - Conselheira, gestão 2022/2023

O contorno da cabeça umeral raramente é associado à radioterapia de mama. Inclusive, muito pouco se fala sobre o assunto, pois é um tópico muito pouco abordado na literatura. O foco da questão é: durante o planejamento, ao cobrir a mama com a dose prescrita (e especialmente quando se incluem os linfonodos axilares baixos) são usados normalmente os mais diversos ângulos de entrada de feixe. E a consequência disso costuma ser o aumento de doses baixas de radiação no volume irradiado no paciente.

             Nesse universo surgem os relatos sobre a relação dose no úmero versus radioterapia de mama, mesmo que escassos. Estudos que envolvem a diminuição da mobilidade do ombro ipsilateral pós radioterapia de mama, em pacientes com linfonodo sentinela positivo, é um exemplo (DONKER, 2014). Uma guideline da ESTRO publicada em 2015 (OFFERSEN, 2015), inclusive, recomenda o contorno do PRV da cabeça do úmero com 1cm, como ilustra a figura 1.

Figura 1: Quadrado vermelho: PRV da cabeça do úmero. Fonte: Offersen BV, Boersma LJ, Kirkove C, et al. ESTRO consensus guideline on target volume delineation for elective radiation therapy of early stage breast cancer. Radiother Oncol. 2015;114(1):3-10. doi:10.1016/j.radonc.2014.11.030


       Sendo assim, discutiremos duas pesquisas sobre esse assunto: uma avaliando a técnica mais adequada de planejamento de mama para poupar a cabeça do úmero (SURMANN, 2017), e outra sobre a associação de eventos clínicos com a irradiação desse osso (BELAIDI, 2022).

          Surmann avaliou basicamente quatro técnicas de planejamento quanto à dose no úmero: campos tangenciais altos, campos tangenciais altos poupando a cabeça do úmero, IMRT com 6 campos e VMAT. Essas duas modalidades de campos tangenciais foram utilizadas para analisar a dose no úmero com e sem a preocupação de protegê-lo. Os exemplos de distribuição da dose estão na figura 2:

Figura 2: Distribuições de dose em: a, campos tangenciais altos; b, campos tangenciais altos poupando a cabeça do úmero; c, IMRT de 6 campos poupando a cabeça do úmero; d, VMAT poupando a cabeça do úmero. Curvas de isodose: vermelho 100%, amarelo 95%, laranja 90%. (Surmann, Kathrin et al. "Elective breast radiotherapy including level I and II lymph nodes: A planning study with the humeral head as planning risk volume." Radiation oncology (London, England) vol. 12,1 22. 18 Jan. 2017, doi:10.1186/s13014-016-0759-7).


        Foram analisados 10 pacientes (com inclusão da irradiação dos níveis axilares I e II) e as coberturas das mamas foram consideradas. Porém, a proteção da cabeça umeral não foi atingida com os campos tangentes, apenas com IMRT e VMAT, pois ao proteger o úmero, os linfonodos ficaram descobertos.

             Quanto ao segundo estudo, Belaidi conduziu uma análise retrospectiva utilizando a tomoterapia helicoidal. Assim, foram avaliadas as doses recebidas pela cabeça do úmero, bem como os eventos clínicos resultantes. As cabeças de úmero foram contornadas para 73 pacientes: dentre esses, 6 apresentaram dor no ombro, 3 apresentaram alteração na mobilidade e 1 apresentou fratura no úmero proximal.

          Porém, os autores relatam que os eventos clínicos relacionados ao ombro foram relativamente raros nos 6 anos de acompanhamento com o tratamento por tomoterapia. O único fator considerado foi a mastectomia, sugerindo que as dores possam estar mais relacionadas com a cirurgia do que com a radioterapia. E embora os 10 pacientes relatados apresentassem sintomas, a relação direta com a radioterapia não foi declarada. Aliás, o caso da fratura umeral foi associado à uma queda que o paciente sofreu 39 semanas após a radioterapia.

           Outro ponto destacado foi que, embora a dose tenha sido contabilizada na cabeça do úmero, não foram consideradas as doses em tecidos adjacentes, como músculos, ligamentos e tecido conjuntivo. E que talvez apenas o estudo do úmero não seja a parte mais relevante dessa análise para premeditar riscos de eventos clínicos nos ombros. Assim, Belaidi declarou que seu trabalho não demonstrou relação entre dose recebida com as dores, as fraturas ou mesmo as limitações de movimento durante o acompanhamento pós radioterapia. Importante ressaltar que tanto Belaidi, quanto Surmann, consideraram em seus trabalhos o constraint de 40Gy de dose máxima, definido por Dogan et al (2007).

         Assim sendo, diante do exposto, aqui fica o questionamento: o quão importante é delinear a cabeça do úmero nesses tratamentos?


        Todos os trabalhos estão expostos nas referências para que vocês também analisem essa questão. Opinem criticamente e contém pra nós nas redes sociais!

  • Belaidi L, Loap P, Kirova Y. Do We Need to Delineate the Humeral Head in Breast Cancer Patients?. Cancers (Basel). 2022;14(3):496. Published 2022 Jan 19. doi:10.3390/cancers14030496
  • Dogan N, Cuttino L, Lloyd R, Bump EA, Arthur DW. Optimized dose coverage of regional lymph nodes in breast cancer: the role of intensity-modulated radiotherapy. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2007;68(4):1238-1250. doi:10.1016/j.ijrobp.2007.03.059
  • Donker M, van Tienhoven G, Straver ME, et al. Radiotherapy or surgery of the axilla after a positive sentinel node in breast cancer (EORTC 10981-22023 AMAROS): a randomised, multicentre, open-label, phase 3 non-inferiority trial. Lancet Oncol. 2014;15(12):1303-1310. doi:10.1016/S1470-2045(14)70460-7
  • Offersen BV, Boersma LJ, Kirkove C, et al. ESTRO consensus guideline on target volume delineation for elective radiation therapy of early stage breast cancer. Radiother Oncol. 2015;114(1):3-10. doi:10.1016/j.radonc.2014.11.030
  • Surmann, Kathrin et al. "Elective breast radiotherapy including level I and II lymph nodes: A planning study with the humeral head as planning risk volume." Radiation oncology (London, England) vol. 12,1 22. 18 Jan. 2017, doi:10.1186/s13014-016-0759-7).